segunda-feira, 2 de julho de 2007

Democracia perturbada

Fotos: MCR
Democracia perturbada
Publicado em 21/01/2007 - TRIBUNA IMPRESSA
*Fernando Passos

"Assisto com um misto de alegria e preocupação o debate sobre o Bulevar da Rua Cinco. Araraquara impressiona: é passiva demais com seus governantes, cobra pouquíssimo, não participa de audiências públicas, não olha prestação de contas e até critica quem tem um senso um pouco mais crítico. Sempre confiamos muito em quem colocamos no poder.
A Rua Cinco, apesar de grandiosa, talvez o nosso patrimônio público coletivo mais democrático e bonito, protagonizou um debate que de aparente normalidade transformou-se em algo perturbador. Como devem estar tristes nossos oitis. Quando meu escritório estava instalado na Rua Cinco costumava eu dialogar com eles, cuidava da calçada, desobstruindo o cimento que circundava a árvore quase a sufocá-la. Quem já teve a oportunidade de subir em um dos edifícios da região pode observar que as árvores formam um corredor impressionante, um verde sublime de espetacular beleza e, na confluência com a Avenida Espanha, torna-se ainda mais belo.
Lembro-me bem das resistências ao projeto do prefeito De Santi em alargar a Rua Seis e as Avenidas Portugal, São Paulo e Duque de Caxias. O projeto original previa também o alargamento da Avenida Espanha. Após um longo movimento popular e de convencimento, o Prefeito desistiu da Avenida Espanha. Foi uma decisão acertada, tanto o que foi feito, como o que não foi realizado, como bem demonstrou o tempo.
Nas questões da Rua Cinco estamos assistindo a um debate que beira o maniqueísmo ridículo. Quem aprova o projeto é a favor do prefeito e popular, quem o rejeita é contra e elitista. As pessoas têm o direito de emitir opiniões e sua liberdade deve ser considerada. É certo que boa parte daqueles que se opõem ao prefeito se encontram ao lado dos que são contrários ao projeto. E daí? Assim é a vida democrática. O inverso, porém, não é absolutamente verdadeiro. Não concordo com os termos utilizados no debate nesta semana, quando aparentemente os entendimentos andavam muito bem. A Rua Cinco é de todos e assim permanecerá. Tem vocação para transformar-se em corredor utilitário de apreciação e recreação pública permanente? Não sei. Em Bordeaux funcionou, mas em New Orleans destruíram a Bourbon Street, por exemplo. Se não houver a tendência de exploração comercial adequada ao local a transformação será um desastre. Caso contrário será um dos ambientes mais lindos de utilização de todos nós, com restaurantes, cafés, sorveterias, etc. Honestamente, tenho enormes dúvidas de que a Rua Cinco tenha esta vocação. Ou mesmo, se temos estrutura econômica para fazê-la cumprir. E o pior: se errarmos, não haverá volta. Já temos o exemplo negativo do bar instalado na Praça Pedro de Toledo, hoje corretamente transformado em espaço cultural.
Conclamo os envolvidos a vivenciar e debater os bons propósitos dos prós e contras com a única paixão pela Rua Cinco, deixando as demais para o amanhã. Assim é a democracia: perturbadora, às vezes injusta, mas marcante para quem a pratica."

*Advogado e professor da Uniara.
fernandopassos@tribunaimpressa.com.br

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